O sonho consistia num mundo onde a arte não conhecesse fronteiras, geográficas, de forma, conteúdo ou inspiração. A Associação Moda Lisboa, em conjunto com a Câmara Municipal de Cascais e o Turismo do Estoril, trouxe esse novo mundo ao mundo – mesmo que apenas por fugazes dias, graças ao Estoril Fashionart Festival.
{jathumbnail off}Entre 30 de Junho e 4 de Julho, o eixo Cascais-Estoril recebeu múltiplas e complementares actividades ligadas à moda, às artes plásticas, ao cinema, à música ou à simples e bela expressão do livre pensamento.
No que respeita às exposições, nota para a mostra de vestidos do basco Paco Rabanne, que pode ainda ser vista no Museu Condes de Castro Guimarães, até ao dia 11 de Julho. Na Marina de Cascais (e também até 11 de Julho) marca presença a exposição Hombresenfalda, ou Homens de Saias. Trata-se da reunião de um conjunto de peças – mais de cem – concretizadas por criadores de todo o globo, congregados por um princípio comum: apropriar a saia (historicamente apetrecho feminino) e entregá-la, em testemunho, ao homem moderno e sem mitos. Será interessante, para os visitantes, comprovar que a indumentária é fruto indesmentível da sociedade que a molda. Isto porque além dos exercícios estéticos de criadores contemporâneos, a exposição engloba ainda alguns exemplares de modelos clássicos, saias envergadas com absoluto pundonor másculo, na Turquia ou no Egipto.
O Festival presta homenagem igualmente a Luis Venegas, personagem de enorme influência internacional no momento, enquanto editor das publicações independentes Fanzine137, Electric Youth e Candy . A exposição Luis Venegas – Greatest Hits pode ser apreciada até 11 de Julho, na Rua Frederico Arouca nº 404. Junto ao Largo Luís de Camões, em Cascais, está patente outra proposta, a exposição Boomshirt. Ali, centena e meia de mentes criativas pegaram em cinquenta camisas brancas e deram largas à imaginação. Bite Me!, interessante mescla entre gastronomia e moda (com o chef Fausto Aioldi a produzir trinta peças comestíveis de moda, algumas delas a replicar elementos fundamentais do vestir português), foi degustada com os olhos – mas não trincada! – no Forte S. Jorge dos Oitavos.
A fotografia é também convidada de honra da iniciativa. A começar pela exposição de fotografia de moda, dividida entre um núcleo exposto em espaço fechado e uma exibição que saiu à rua, agigantando-se em outdoors. A versão sedentária está acessível no antigo edifício dos Bombeiros Voluntários de Cascais e conta com obras dos autores José Manuel Ferrater, Eugenio Recuenco, Daniel Rierra e David Urbano. Para quem quiser deleitar-se em movimento, a fotografia de moda também é uma referência em diversos pontos rodoviários do concelho. Traçado o itinerário, é possível fazer um rally fotográfico de moda, com dezenas de quilómetros de extensão e paragens obrigatórias que vão do Estoril a Alcabideche, das imediações de São Domingos de Rana a Carcavelos. As fotografias de grande formato ficam a cargo de Luís de Barros, Carlos Ramos, Rui Aguiar, Pedro Ferreira e Paulo Segadães.
A sétima arte dá o seu contributo ao festival via documentários e filmes apresentados no lounge da Marina de Cascais e na Casa das Histórias Paula Rego. Realce para os fragmentos das obras “The Day Before” e “Signé Chanel”, de Loïc Prigent, ou para “The September Issue” e “Who are you Polly Maggoo?”, documentários de R.J.Cutler e William Klein. O Estoril Fashionart Festival desafiou figuras conhecidas a expressar o seu pensamento fora da celulóide, ao organizar um Speaker’s Corner no Parque Marechal Carmona. Os protagonistas das palavras soltas e audazes foram, entre outros, Anamar, Marisa Ribeiro, Manuel Fúria, Vítor Belanciano ou Quim Albergaria.
O Jardim da Parada recebeu o Royal Vintage Bazaar, ponto de encontro para quem estima o que a moda ditou em décadas de outrora, enquanto elemento para a renovação do presente. Para além das sugestões do já mítico Rudy Cohen, destacaram-se peças com ferrete nacional (Teresa Bustorff, Rosas do Equador, El Dorado, A Outra Face da Lua, Chouchou).
Diga-se, também, que a música não faltou à chamada e assinalou o arranque e o fecho deste evento, sobretudo por intermédio de um voluptuoso espectáculo de Rodrigo Leão & Cinema Ensemble, acompanhado pela espanhola que descobriu o fado e com ele se descobriu a si mesma: Maria Berasarte.
Mas, como não poderia deixar de ser, o composto essencial para a fórmula desta primeira edição Estoril Fashionart Festival era a moda. Tudo uniu, a moda… porque tudo é moda, se os olhos permanecem verdadeiramente abertos, ou ouvidos vigilantes, os tactos intrigados. Desfiles para todos os apetites, a envolver a plataforma LAB, filho querido da Moda Lisboa (lá estavam os nomes que transportam a esperança, como aforestdesign, Ricardo Andrez, Lara Torres, Vítor e White Tent) ou a espanhola Amaya Arzuaga.
De tom mais comercial e com impacto imediato para as massas do festival, os desfiles Sportive e Splash revelaram as tendências em sportswear e swimwear, numa piscadela bem cronometrada ao Verão e suas delícias de lazer. No domínio balnear, as criações foram da autoria de Ana Salazar, Dino Alves, José António Tenente, Katty Xiomara e Miguel Vieira – direcção artística de Cátia Yella/Carlos Castel-Branco. O estilo nascido da prática desportiva, adaptado às correntes urbanas e às contingências do dia-a-dia, subiu à passarela sob direcção de Susana Marques Pinto e Xana Guerra, no desfile Sportive. No total, foram 29 as marcas que contribuíram para dar uma nova imagem ao português vinculado ao desporto, como máxima de vida – e de estética.
O grande desfile do Estoril Fashionart Festival foi, contudo, a iniciativa baptizada de Eterna é a Noite. Em homenagem aos momentos da nossa existência em que brilha o luar, se anunciam reflexos inesperados e em que tudo pode ainda acontecer, a mostra rendeu-se aos encantos nocturnos e a tudo aquilo que estes conservam de mais intocável. Os nomes eram grandes (Alexandra Moura, Alves/Gonçalves, Ana Salazar, Dino Alves, Filipe Faísca, José António Tenente, Luís Buchinho, Miguel Vieira, Nuno Baltazar, Pedro Pedro, Ricardo Dourado e Ricardo Preto), a condizer com as expectativas. Pode afirmar-se que, no cômputo geral, estes enamorados da noite se portaram bem, no privilégio que concederam à delicadeza das formas e à magnificência dos materiais. Nuno Baltazar, por exemplo, trouxe-nos soberbas peles africanas cobertas de tons pérola e adereços com o toque telúrico da madeira. Ana Salazar honrou o primado da noite com oferendas assimétricas, folhos prodigiosos e contrapontos acentuados de negro, no calçado e maquilhagem. Vestidos com moldura rectilínea e lantejoulas marcaram as propostas de Ricardo Dourado, enquanto José António Tenente se desmultiplicou em elegantes estampados e num uso inteligente de carmins, rosas, púrpuras e violetas, inclusive na sobriedade das vestes masculinas.
Alexandra Moura jogou pelo seguro e ganhou a aposta no preto/vermelho, combinação que aquece as noites festivas desde há muito séculos, em cortes, casinos e cabarets. As figuras femininas conservavam aqui alguma inocência, embora decidida. A complexidade na sobreposição de tecidos e a combinatória preto/branco identificaram bem as criações de Pedro Pedro. Já Filipe Faísca mostrou quão soberbo pode ser um vestido hesitante entre veludos e rendas, ou como o trabalho no ombro feminino pode fazer a diferença entre o desleixo e a classe. Alves e Gonçalves brincaram com a saia que baloiça no volteio, engraçados desnivelamentos triangulares na coxa e ombros que recusam submeter-se à escuridão. Destaque também para Miguel Vieira, a trocar as simbologias diurnas, por um homem que veste de impecável inocência alva e uma mulher imersa no negro fatal.