Segunda-feira 10 de Março de 2025

Escravos da solidão

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DR

Se olharmos à nossa volta nos transportes públicos, raramente conseguimos cruzar o olhar com alguém, uma vez que a grande maioria dos passageiros tem as cabeças baixas a olhar fixamente para os seus dispositivos. As caras parecem extremamente sérias, concentradas nas suas atividades, e se alguém não soubesse o que fazem, com toda a certeza arriscaria que resolvem problemas de elevada importância ou ajudam os iluminados a desvendar mistérios da humanidade. Mas, no entanto, basta dar uma espreitadela aos ecrãs e o que lá encontramos não é mais nem menos do que um tweet do X, um feed do Facebook ou um reel do instagram.

Os utentes nas salas de espera, os pais que esperam filhos à porta da escola e os clientes que aguardam a refeição nos restaurantes, todos eles apresentam um denominador em comum: o telemóvel na mão. Antes eramos “forçados” a entrar numa atividade cordial com a pessoa ao nosso lado e perante a mesma circunstância, agora podemos facilmente esconder-nos atrás dos ecrãs pondo a tal cara séria que certamente vai bloquear, com tremendo sucesso, todas as tentativas de socialização com o outro ser humano. E, como chegamos a este ponto?

Do ponto de vista da biologia e da evolução, somos mamíferos sociais. Isto significa que não funcionamos bem quando estamos sozinhos, quando sofremos com a solidão forçada. Precisamos dos outros para um funcionamento adequado. As espécies sociais não conseguem lidar sozinhas com os problemas. Lobos, chimpanzés, ratos, golfinhos e elefantes – vivem em grupos. Estão “programados” para evitar a solidão, assim como nós, humanos, fomos “programados”.

É assim que a nossa sociabilidade é explicada pela perspetiva evolutiva. E isso está também relacionado com o funcionamento do cérebro. Os mecanismos da evolução fizeram com que no cérebro surgissem dispositivos de segurança: o castigo e o prémio. O primeiro faz com que, quando estamos sozinhos, nos sintamos mal. Por outro lado, o prémio: no contacto com outros humanos desencadeamos no organismo uma cascata de reações bioquímicas. Somos inundados por uma mistura específica de substâncias que alteram o humor, geralmente para melhor, e que provocam mudanças de curto e longo prazo no nosso corpo.

Na nossa vida pré-tecnológica estávamos inseridos numa realidade baseada em relações e emoções, onde a forma principal de resolver os problemas era através de uma esclarecedora conversa. As famílias viviam mais em comunidade e como consequência a necessidade de convivência estava a ser naturalmente abastecida. Com toda esta proximidade vinham também efeitos secundários como mal-entendidos, discussões, brigas e faltas de paciência perante o outro. Com a chegada da tecnologia as pessoas aperceberam-se que estes efeitos secundários podem ser facilmente evitados, e abraçaram com entusiasmo este mundo mudo e silencioso, por vezes anónimo da realidade virtual. Desta forma, substituíram a sua necessidade de convivência pela omnipresença nas redes sociais. Mas tudo isto é uma ilusão. A pandemia mostrou-nos que, apesar das tecnologias avançadas, continuamos a carecer de contacto pessoal.

Vale a pena contornar esta vontade de pegar no telemóvel sempre que precisamos de estímulo, pois este falso assistente pessoal, pode causar danos sérios. Estar offline começa a ser novamente uma tendência, e ainda bem, porque para além de nos dar mais tempo e espaço para explorar o mundo real, pode ajudar-nos a redescobrir e apreciar os prós da internet e da tecnologia quando dela, de facto, precisamos.

Anna Kosmider Leal – AntropólogaCultura_Ciência_Tecnologia na Imprensa

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