Do primeiro para o segundo dia, o Rock in Rio passou de 81 mil para 41 mil visitantes. Os mais cínicos garantiam que o revivalismo das escolhas musicais era o responsável pelo estado de coisas, que nos seus respeitáveis quarentas, cinquentas e sessentas, os admiradores de Elton John e dos Trovante não tinham vida para festivais e apreciavam, antes de mais, chegar cedo à caminha.
Inclusive no Palco Sunset. Ali, Tim provou que está 
aberto às mais variadas experiências. O vocalista dos Xutos e Pontapés aliou-se a Mariza e, em evidente clima de amizade, os dois deram corpo a estranhas construções musicais, mutantes, a bailar quer ao poderio de uma secção rítmica rock, quer à melancolia da guitarra portuguesa. Antes de O Homem do Leme, Tim confidenciou: “é a segunda vez que estou em palco com uma guitarra portuguesa. A primeira foi no ensaio”. O clima era de absoluta descontracção e os dois amigos revelaram uma dinâmica interessante em palco, provocando-se mutuamente, à medida que desbravavam terrenos tão diversos quanto Por Quem Não Esqueci, celebrizado pela Sétima Legião, ou Light My Fire. Este último soou psicadélico, de fazer inveja aos Doors, cortesia de um imprevisível arranjo para acordeão.
Também Rui Veloso, o decano dos performers portugueses, colou bem com Maria Rita. O repertório escolhido ficou dividido entre a carreira discográfica de um e outro. Com destaque para Encontros e Despedidas, Caminho das Águas, Não Vale a Pena e Cara Valente, na moeda brasileira, e para A Paixão, Jura, Porto Sentido e Chico Fininho, na paga portuguesa. Chico Fininho mereceu até um glorioso encore, com Maria Rita a ultrapassar o nervosismo inicial e a assumir uma teatralidade em bom estilo, com tiques de femme fatale.
Caída a noite, os veteranos continuaram a dar cartas. Elton John pode já não estar aí para as curvas, nem ter o estofo para fechar festivais às duas da manhã. Todavia, a sua carreira é longa e recheada de êxitos, que o mestre da irreverência consegue recriar vezes sem conta. 
O público adorou-o e seguiu-o a preceito, quando serviu clássicos do calibre de Daniel, Sacrifice, Don’t Let the Sun Go Down on Me, Candle in The Wind ou Your Song. Porém, para os adeptos mais fervorosos, ficou a deliciosa convicção de que Elton John ainda é capaz de resgatar o que de melhor criou na década de 70, certeza exemplificada por temas como Saturday Night’s Alright for Fighting, The Bitch Is Back, Philadelphia Freedom e Rocket Man. O próprio Elton John parece reconquistar o ar maroto e especial que o caracteriza, quando se aventura por esta época de ouro, ancorada nos idos 70. Assim aconteceu quando interpretou Crocodile Rock (ao mesmo tempo que envergava um casaco cravado de lantejoulas e decorado nas costas com um desenho de Sir Elton em pessoa, desafiador dentro da boca do réptil).
Com a saída de cena do músico britânico saíram também muitos dos espectadores. Ainda assim, os Trovante actuaram para uma das audiências mais representativas da sua carreira. Quase 20 anos após a separação, o grupo de Cascais não mostrou sinais de desgaste (apenas mais cabelos brancos e alguns quilos extra). Luís Represas lançou salvas ao festival, pelo facto de não representar apenas música, mas também “solidariedade, causas, ecologia”. Comentário um tudo ou nada enlatado, pouco compatível com o ambiente envolvente e a enorme capacidade de produzir riqueza evidente para todos. Poucas horas antes, tornava-se público o anúncio de que o Rock in Rio fora distinguido pela organização Women Together, graças ao seu trabalho em prol da “promoção da paz, da tolerância e do respeito pelo meio ambiente e por um mundo melhor”. Quem disse que é impossível harmonizar lucro e humanismo?
Mas, de volta à música, os Trovante conseguiram condensar décadas de carreira num tempo limitado, por intermédio de canções como Xácara das Bruxas, Travessa do Poço dos Mouros, Perdidamente, Balada das Sete Saias, Timor, 125 Azul ou Prima da Chula. Antes de cantar Memórias de um Beijo, Represas garantiu que “as boas memórias eram comuns” a todos quanto partilhavam o palco. Tornou-se, aliás, notório que o vocalista e João Gil convivem com tranquilidade no centro dos holofotes, tendo interpretado duas canções sem interferência de terceiros. Luís Represas revelou também surpreendente energia física, para quem já não estava habituado a estas andanças (leia-se correrias de palco, a despertar emoções e a arrancar aplausos).
Em boa verdade, no segundo dia 
do Rock in Rio Lisboa 2010, foram os novatos que menos vibrações positivas emitiram.
João Pedro Pais actuou frente a parca audiência (para um festival desta dimensão), mas esteve muito activo e sobretudo feliz, por concretizar a ambição de figurar no Palco Mundo (uma promoção que não está livre de riscos). Os temas Louco, Um Volto Já, Nada de Nada, A Palma e a Mão, Mentira, Palco de Feras, entre outros, foram servidos com garra e entusiasmo. Contudo, sem escapar ao que se aguardaria de um tradicional concerto do jovem cantautor português.
Verdadeira desilusão emergiu na forma da inglesa Leona Lewis. Depois de se tornar conhecida devido à vitória num concurso de talentos, Leona Lewis soube começar uma carreira sólida, com importante presença radiofónica, nas estações televisivas e nos espaços sociais in da Internet. A Portugal trouxe as criações englobadas nos álbuns Spirit e Echo, mas nem as já celebrizadas melodias Bleeding Love ou Happy Ihe valeram apoio incondicional.
Para quem tem uma voz com tal poder e flexibilidade é fácil cair em auto-encantamentos. Infelizmente, Leona Lewis está longe da maturidade que lhe permitirá perceber este fenómeno. Muitos festivaleiros acabaram por se desligar dos exercícios vocais sem rumo, entretidos nas suas pausas, piqueniques de circunstância, ou incursões às tendas e stands que anunciavam divertimento de cariz mais imediato.
{jathumbnail}
