{jathumbnail off}Enorme leque de matizes, no dia de fecho da 34ª Moda Lisboa (Inverno 2011), a jornada em que a maioria dos criadores em liça decidiu arriscar, indo além do previsível. Com impacto positivo,diga-se.
O projecto White Tent (parte integrante da Plataforma Lab, espaço da Moda Lisboa dedicado às mais recentes esperanças do sector) abriu as hostilidades no Museu do Design e da Moda. Trata-se da dupla Evgenia Tabakova e Pedro Noronha-Feio, reunidos em feliz colectivo. Nota para as cores tradicionais da estação (castanhos, cinzas, complementados pelo inevitável preto) e visões muito casual, baseadas em casacos compridos e largos, calça justa a irreverência (sem exageros) no calçado.
Vítor apresentou a colecção Macedonian Identity, com fortes linhas de contraste onde pontuaram padrões vermelho e laranja, sobre tons neutros. O corte do vestuário alternou entre o rectilíneo e a invulgar ausência de tecido onde seria expectável.
Filipe Faísca usou os manequins como uma tela branca, sobre a qual caíram notas soltas de uma sinfonia em crescendo. Primeiro os tecidos sedosos, os reflexos e a agrura metálica. Depois, listas e estampados com enorme toque de graça e meninez. Realce ainda para figuras extraídas ao imaginário de épocas tranquilas, quando a mulher vestia com singeleza e elevação, entre as grandes guerras.
Nuno Gama continua as suas explorações metódicas sobre a Portugalidade. Nesta colecção juntou peças com resquícios culturais que vão de Trás-os-Montes ao Alentejo (sim, samarra presente!). Os berrantes xailes do norte cortaram a frieza do branco que os envolvia e os símbolos nacionais omnipresentes, por vezes em marca de água. Casacos, camisas e malhas desenhados à pele, a revelar o tronco masculino, mãos e faces quase sempre escondidas por adereços, a desviar a atenção para o mais relevante.
Seguiram-se as propostas de TM Collection (capa mediática para Teresa Martins). O tema foi baptizado como Origami Folding Emotions e conta muito sobre o conteúdo. Intenso dobrar e desdobrar de texturas e cores, com tempo bastante para lançar transparências, copiosos estampados e intensos vermelhos. Clara influência do orientalismo, com mesclas da elegância japonesa e do cromatismo vibrante da Indochina. Pontuação irrepreensível, a cargo de brincos e colares (fartos, em cascata), lenços e malas.
As fantasias de Ricardo Dourado correram, segundo o próprio, em torno das imagens do realizador Paul Morrissey, figura do cinema avant-garde de meados do século passado (sempre na sombra, injusta, de Andy Warhol).
Aqui, os takes rolaram com fluidez, em imagens do mais profundo espírito americano, cosido de antagonismos, do catolicismo fervoroso e retalhos de vivência hedonista. Simplicidade no uso das cores (cinzas, preto), nos folhos lateralizados,no denim e demais algodão. Revivalismo da túnica curta, a cair sobre o corpo de forma desigual.
Dino Alves foi beber à abundante fonte japonesa e, revigorado, chegou à Moda Lisboa com He, She and Me. A colecção é uma confessa homenagem à arte ancestral do kabuki. No século XVII, o kabuki tornou-se espectáculo interdito à participação das mulheres e todos os papéis passaram a ser encarnados por homens, inclusive os femininos. Dino Alves aproveitou esta singularidade dramática e projectou vestuário de personagens femininas, mas envergado por homens (na boa tradição dos onnagata – jovens actores especializados em papéis que os transportavam em cena para outro género). Os castanhos aliaram-se ao preto e a vermelhos fortes, pontuaram os cortes diagonais, sobre o ombro. Destaque também para os drapeados, para as saias curtas de construção complexa (edificadas em pisos desiguais, na forma e no tecido) e para o aparatoso calçado, que parecia entrelaçar-se sem jugo em torno dos tornozelos. No final, os manequins romperam a ilusão teatral logo ali e com um lenço apagaram sinais de uma maquilhagem mágica, fundamento do transgénero.
A noite (e a 34ª edição da Moda Lisboa) terminou sob auspícios africanos. Os angolanos Shunnoz & Tekasala debutaram na semana lisboeta com MENTAL, uma colecção com profusa cor, dos amarelos aos verdes, passando pelo fuchsia e por apontamentos – controlados – de vermelho. O histrião regressou à corte, poderia arriscar-se, perante as propostas da dupla angolana. Assistiu-se a um verdadeiro motim de cores, rebeladas e incontidas, que parecem escapar aos cânones e propositadamente ao bom senso. Se os arlequins perdem o tino para ganhar o futuro, o mesmo fazem Shunnoz & Tekasala, sem medos de chocar ou romper convenções.
Sinal, ainda, para a inteligência no jogo urbano da degradação dos figurinos. Como se a cidade, num acto definitivo de justiça, mesclasse sobras e requintes.