Num webinar repleto de interesse e com oradores conhecedores do impacto que é criado quando notícias a esse respeito se tornam públicas, é de realçar o papel de uma jovem aluna a terminar o ensino secundário na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho (Lisboa), Diana Silva, que moderou o debate sobre o “Assédio e Abuso Sexual no Futebol” em Portugal.
Não sendo um tema tabu, porquanto o assunto foi incluído (1992) na Carta Europeia do Desporto, aprovada pela União Europeia, a verdade é que, em Portugal, pouco se fala neste tipo de assuntos e por variados motivos, de onde sobressaem por exemplo, o receio – dos envolvidos (quem promove e quem sofre o assédio – em especial os mais jovens) num qualquer processo de assédio ou abuso sexual.
Quando se vê e ouve uma jovem de 17/18 anos a moderar, com precisão e objectividade, um encontro deste tipo, fica-se com a sensação de que, afinal, estamos no bom caminho quanto ao futuro, porquanto os passos seguintes estão firmes desde agora, dado que Diana Silva esteve a estagiar no PNED para poder inteirar-se do assunto e abarcar uma tarefa que não é fácil.
Promovido pelo Plano Nacional de Ética no Desporto, sob a égide do Instituto Português do Desporto e Juventude e em parceria com a Federação Portuguesa de Futebol, a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima), a Universidade Europeia e o Observatório Nacional da Violência contra o Atleta, criado em 2020.
Miguel Nery (Universidade Europeia) debruçou-se sobre o que é o assédio e o que é o abuso sexual, que se poder colocar sob um enorme “chapéu” dada a diversidade de vectores a considerar, sendo que tudo depende dos vários tipos de comportamentos que cada um pode ter nas “aproximações” em diversos contextos para distinguir um que é uma e outra coisa.
Referiu também que, quando à existência de estudos e conclusões sobre o assunto, os documentos que se conhecem são relativamente raros – algumas Universidades e o Comité Olímpico Internacional já abordaram o tema mas coligir documentação é um caminho complexo, face à prevalência dos comportamentos e aos diferentes instrumentos utilizados para a na+alise do assunto.
Como factores de risco salientou a sedução, os jovens menos sociáveis, que géneros e em que modalidades, o que torna difícil chegar a padrões que possam abrir caminho à construção de ferramentas dissuasoras, sendo que os mais novos, as áreas mais isoladas, as viagens em diversos contextos e o transporte em comitiva, são situações que podem provocar as tais proximidades que acabam no assédio sexual.
Jorge Silvério (psicólogo) abordou os danos e as consequências psicológicas, referindo a necessidade da atenção que há que ter com a mudança de comportamentos, como abordar as vítimas, o que pode levar ao abandono da prática desportiva quando, na prática, ainda estão no “aeiou” da vida.
Factores de risco que, raramente se conhecem – só há pouco tempo se soube de casos que se verificaram há 10 e mais anos – pelo que se torna incontornável Resistir, Reportar e Reagir, porquanto, nalgumas partes, existem tangências com situações de Bullying, atendendo ao que se vai conhecendo.
Mónica Jorge, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol para a área do futebol feminino, abordou as questões de integração social que a FPF implementa, ainda que não haja projecto específico porque não tem sido um assunto corrente, se bem que a estrutura federativa esteja atenta ao fenómeno, em caso do problema poder vir a ter algum impacte no futuro.
Revelou também que o tema é difícil de identificar, devendo apostar-se em acções de informação, que são importantes, desde que tenhamos pessoas bem capacitadas para o efeito e que concorda que o assunto deva ser abordado nos cursos de treinadores.
Carla Ferreira, dirigente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, considerou importante esta temática no contexto do apoio à vítima, começando pela identificação das vítimas e seu encaminhamento, desde a mínima suspeita, situação que é obrigatório (por lei) reportar, acrescentando que se torna necessário capacitar estas vítimas com ferramentas de defesa, a partir de uma sensibilização que é fundamental implementar, como forma de prevenção e com programas específicos a partir dois três anos de idade.
Quanto à questão colocada sobre se existem denúncias em relação ao futebol e ao desporto, salientou que estão em curso alguns processos, mas que ainda não há decisões finais. Acrescentou que o assunto é difícil de tratar porquanto “todas sabem mas não denunciam porque, se o fizerem, sabem que ficam com a porta aberta para deixarem o desporto, desistindo de uma carreira que poderá ser o futuro de cada uma, mas que não é aceite por quem assedia.
Cristina Almeida, técnica do IPDJ responsável com esta matéria, referiu que se tem feito alguma coisa desde 2017 mas que o tema é silenciado no âmbito das actividades desportivas.
Anunciou que se está a elaborar um plano de acção para os próximos quatro anos, com base num sistema mais robusto, para todas as modalidades e com o objectivo de proteger os jovens desportistas.
Na passada salientou a existência, há décadas, de vários casos tornados mediáticos nos últimos tempos (exemplo de ginastas norte-americanas que vieram a público denunciar) e referiu que a União Europeia está a actuar nesta problemática, pelo menos desde 1992, quando aprovou e fez publicar a Carta Europeia do Desporto, onde este tema foi incluído, ainda que sejam escassas as informações sobre o que se tem encontrado nos poucos estudos que foram sendo implementados.
O que se sabe é que existiram casos em cerca de centena e meia de países, que foram analisados com base nos quadros jurídicos de cada país, se bem que o número de processos relativos ao desporto seja mínimos.
Com vista ao futuro, o IPDJ está a criar um Agente de Protecção dos Jovens Atletas (nome ainda em análise), dentro de um Roteiro que vai ser implementado até 2024 e como forma de prevenção e protecção, através da formação de agentes nas organizações (desde Federações aos clubes de base local), para um futuro que se deseja prometedor.
No final de 2023, pretende-se ter um agente em cada Federação, iniciando-se este trabalho-piloto com a Federação Portuguesa de Futebol e a Federação de Ginástica de Portugal, a par dos Municípios portugueses para, em 2024, se poder chegar aos clubes.
Um projecto que não é fácil de colocar em movimento – se o fosse, talvez não teria a credibilidade que se pretende introduzir no processo ora em implementação – mas que dá alento para educar e formar para a cidadania, áreas onde Portugal continua a ter grandes dificuldades para se impor em conformidade com a formação dos jovens!