Sábado 24 de Novembro de 3342

Aurora Cunha superando-se na transcendência

AuroraCunha-livro-2018“Aurora Cunha Uma Vida de Paixões” é o título de um livro que a tripla campeã mundial de estrada (no princípio dos anos noventa) escreveu com a colaboração de Maria José Carvalho, professora universitária e amiga de longa data, obra que, ainda que prevista nos sonhos da antiga atleta, sempre foi – por um ou outro motivo – adiado.

Até esta terça-feira, quando “deu à luz”, em Lisboa, num Palácio Baldaya, em Benfica – diremos, pelos comentários ouvidos, praticamente desconhecido da grande maioria dos presentes – tendo ficado ainda no ar uma certa surpresa a sua apresentação na capital do país, sabendo que Aurora é do Porto e o livro foi patrocinado pela Liberty Seguros, que tem a sua sede portuguesa na mesma cidade.

O assunto, este, de mínima importância relativamente ao conteúdo do livro, que ficou esclarecido rapidamente: porque a presidente da Junta de Freguesia é portista e, mais especial ainda, porque só dessa forma o Presidente da República em exercício (um dos autores, com Ramalho Eanes, antigo presidente, dos prefácios) poderia estar presente. E esteve. Palavra é palavra e Marcelo Rebelo de Sousa honrou o compromisso, para gáudio da cerca de centena e meia de amigos e familiares da atleta, que “esgotaram” a sala onde decorreu a cerimónia.

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De uma forma que impressionou favoravelmente a plateia, Aurora Cunha traçou – sem discurso escrito – de um modo escorreito (a pontos de Marcelo Rebelo de Sousa, quando usou da palavra, tendo salientado “ ser um testemunho imperdível de uma campeã que fala a linguagem do coração, melhor que alguns políticos ou jornalistas”), com serenidade, no que registou ser o “traçar de um humilde registo diacrónico da minha carreira desportiva e dos dias que se lhe seguiram” até aos dias de hoje.

Marcelo ainda salientou que a vida de Aurora Cunha “é demonstrativa do saber ser dos portugueses, que arrancam do nada para sonhar e vencer”.

Em 170 páginas – que incluem todo o historial de recordes obtidos, de vitórias em provas internacionais de elevado nível (para a altura, como é bom de ver) e dos títulos de campeã do mundo de estrada – Aurora refere também “a paixão pelo desporto, de uma afirmação e realização social pela transcendência, e de um percurso pautado pela humildade, tenacidade, resistência e solidariedade”.

De uma família grande (10 irmãos) Aurora foi a única que se dedicou ao desporto, como que à “revelia” de tudo de todos, porquanto decidiu correr por tudo quanto era sítio, em calções o que, mesmo para 1974, era ainda algo fora das regras que as raparigas deviam cumprir.

Insistiu, como que iniciou o caminho para a “emancipação das mulheres”, ainda que cumprisse o seu trabalho numa empresa de confecções com mais de um milhar de trabalhadoras. Empresa cujos proprietários foram os primeiros a autorizar a “alteração dos horários de trabalho” para poder treinar-se, o que surgiu a partir dos 16 anos, dois anoa depois de ter entrado a trabakgar na fábrica.

“O meu berço não foi de ouro, mas foi brindado e regado com muito amor, honradez e humildade”, salientando que “me orgulho das minhas origens, as quais me deram força e coragem para me tornar numa mulher do mundo, sem fronteiras nem amarras”, confessando que “o medo nunca me deteve”.

Mais à frente, Aurora referiu que “desde os meus 14 anos, grande parte dos meus dias foi dedicado ao treino, ao suor, à superação, à transcendência, ao sofrimento que me catapultaram para a felicidade e para o júbilo do Olimpo”.

Ao vivo, salientou o principal problema de saúde que teve (cancro na mama), tendo sublinhado que “foi mais uma corrida (quiçá a mais difícil que venci, porque estava em causa a minha vida) naturalmente com muitas ajudas, em especial do meu marido (Joaquim Mesquita que também foi atleta) e restante família, que enalteceu publicamente, o que não é muito comum em termos públicos.

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Aurora lembrou ainda duas personalidades que já nos deixaram e que acabaram por fazer parte da vida de todos, como foram os casos do medalhado olímpico António Leitão – ainda bem jovem – e o Prof. Moniz Pereira, que iniciou a “revolução” que rendeu muitas medalhas para Portugal a partir dos anos oitenta, citando ainda o “Patrão” Lopes (como era conhecido) proprietário de um restaurante na Cruz Quebrada, que prestou um inestimável apoio a muitos atletas, servindo refeições gratuitas ao longo de vários anos.

Também ao vivo, divulgou o episódio que teve com o também ilustre treinador José Maria Pedroto, no então Estádio das Antas (pista de cinza).

“Um dia – contou – fui treinar para cima da relva e fui interpelada pelo técnico que tinha que sair porque não podia estar ali, a que retorquiu, sem parar, que estou a treinar e que tenho que fazer o meu trabalho”.

Palavra puxa palavra, conclui-se que era preciso autorização para o efeito – na altura os relvados eram só para os futebolistas – nas Antas, em Alvalade ou na Luz – situação que foi resolvida pelo então presidente do clube.

“Se isso já foi um tributo, melhor ficou porquanto os futebolistas começaram a correr mais e, a certa altura, treinavam comigo e com outros atletas”.

Da superação – exemplo a exemplo, depois copiado – à transcendência (dos comportamentos, da forma de estar na vida e no desporto) foi um passo curto que catapultou a atleta treinada por Fonseca e Costa (também presente no discurso da atleta) para quase chegar ao limite (céu).

Ramalho Eanes, num escrito extenso, referiu que “Aurora Cunha tem-nos demonstrado, com o seu exemplo, que o destino do ser humano não está, nunca, predeterminado, pois é cada um de nós que o constrói com a sua inteligência, vontade e acção, enfim, com a sua ingénita liberdade”.

O ex-presidente da República salientou ainda que “Aurora Cunha é exemplo de excelência de excepcionais seres humanos, assim se justificando que, contra ventos e marés, tenha construído uma brilhante carreira no atletismo”.

Maria José Carvalho, que ajudou Aurora a construir os textos e José António Sousa, CEO da Liberty Seguros, também se pronunciaram pelas qualidades da campeã portuguesa, que é embaixadora desta empresa de seguros e que, no dia-a-dia, promove os valores do desporto, da ética, da verdade e da necessidade da prática da actividade física por parte de toda a população, realçando o trabalho que está a fazer juntos das camadas mais jovens.

O livro editado pela Glaciar será apresentado na cidade do Porto nos próximos dias.

E muito mais há para ler e rever neste livro.

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