Pista fóssil preservada em rochas sedimentares de origem marinha profunda, semelhante a outras encontradas no Baixo Alentejo ou nos fundos marinhos actuais do Atlântico. Um novo estudo sugere que as escavações, perfurações e trilhos produzidos por organismos são ideais para detectar qualquer tipo de vida extraterrestre que possa existir ou ter existido no passado.
Nos últimos anos tem sido discutida a possível existência de vida em vários planetas e seus satélites, no entanto os organismos extraterrestres poderão ser bastante diferentes em relação às formas de vida que conhecemos no nosso planeta, tanto no aspecto como na sua constituição bioquímica. Como é possível então detectar formas de vida extraterrestre, por mais simples que sejam, se estas forem muito diferentes daquilo que conhecemos na Terra?
Uma equipa internacional de cientistas liderada por Andrea Baucon, da Universidade de Modena, Itália e colaborador do UNESCO Geopark Naturtejo, em Portugal, procura responder a esta questão complexa focando-se nos vestígios deixados pela interacção de formas de vida com o substrato. A ideia não será procurar organismos extraterrestres, mas as escavações, perfurações, trilhos e marcas deixadas por estes. De facto, o estudo demonstra que as perfurações, escavações e pistas são ideais para detectar qualquer forma de vida extraterrestre, abrindo novas vias de estudo no campo da Astrobiologia. Os resultados deste estudo foram publicados no último número da prestigiada revista científica internacional Earth-Science Reviews e antes foram preliminarmente apresentados na Agência Espacial Europeia, no principal centro de desenvolvimento tecnológico e de testes em Noordwijk, na Holanda, durante o Congresso EANA.
“As perfurações, escavações e pistas são evidências directas de comportamento biológico e se forem reconhecidas, estas documentam a presença de vida independentemente da bioquímica dos seus produtores” afirma Andrea Baucon. “O comportamento, registado em sedimentos ou preservado nas rochas, permite detectar vida extraterrestre, mesmo que simples, presente ou preservada no registo geológico, mesmo que seja diferente de tudo aquilo que conhecemos”. Carlos Neto de Carvalho, geólogo português que participou neste estudo e colaborador do Município de Idanha-a-Nova, reforça aquela ideia referindo que “A história da nossa vida escreve-se pelas múltiplas acções e marcas que deixamos; qualquer organismo é o somatório do seu genótipo e das interacções com o meio ao longo do seu período de vida; o seu legado material, isto é, os produtos físicos resultantes das suas necessidades fisiológicas, é sempre muito superior em magnitude à sua existência individual”.
O problema em reconhecer formas de vida extraterrestre tem sido discutido em muitos trabalhos científicos e mesmo em publicações de ficção científica, entre as quais a série clássica Star Trek ou Caminho das Estrelas. No 25º episódio desta famosa série, a tripulação da nave Enterprise investiga registos anteriores de um extraterrestre desconhecido. Os Tricorders – os dispositivos multifuncionais utilizados pela equipa – não conseguem detectar o alienígena porque é uma forma de vida que tem como base o elemento químico Silício, presente abundantemente na Terra nos minerais silicatos, entre os quais o quartzo; no entanto, as formas de vida na Terra têm como base o Carbono. Como detectar então vida extraterresre cuja forma e bioquímica difere daquela que conhecemos na Terra?
As personagens Kirk e Spock encontram uma solução para este problema ao examinarem os túneis produzidos pelo alienígena habitante do subsolo rochoso, mais tarde identificado pelo nome de Horta. “Embora partindo de uma ideia ficcionada propomos que se busquem estruturas extraterrestres do mesmo tipo” explica Andrea Baucon. “Escavações e perfurações serão Tricorders universais”.
O novo estudo não procura explicar apenas porque é importante procurar pistas extraterrestres, mas apresenta também o que procurar, e como o encontrar. “Trilhos ou escavações sinuosas estão entre as pistas que se esperam existir para além da Terra” explica Andrea Baucon. Os cientistas sugerem que o movimento sinuoso corresponde a uma das estratégias mais eficientes para busca contínua de alimento uma vez que permite a cobertura eficiente de uma área limitada sem que haja intersecção do percurso previamente realizado. “Podemos comparar este padrão comportamental com o movimento do tractor que tem de lavrar um terreno” propõe Carlos Neto de Carvalho. As formas de vida extraterrestre que tenham a capacidade de procurar alimento, se existirem, deverão produzir trilhos e escavações mais ou menos sinuosas, independentemente da sua forma, tamanho e bioquímica.
As pistas poderão ser relativamente comuns em potenciais ecossistemas alienígenas. De facto, o recente estudo publicado salienta que um único organismo é capaz de produzir inúmeras pistas ou marcas, cada uma das quais com potencial para fossilizar. “Os especialistas procuram trilhos na neve ou no solo para determinar a presença de animais raros, de muito difícil observação, como o lince; então, porque não procurar com tecnologia adequada trilhos, escavações e perfurações alienígenas?” questiona Andrea Baucon. Os investigadores reforçam que as pistas fósseis, ou icnofósseis, são muito comuns nas rochas do nosso planeta, e foram produzidos a escalas muito diversas – desde as perfurações microscópicas produzidas por bactérias às pegadas deixadas pelos dinossauros ou aos túneis hectométricos escavados por preguiças gigantes encontrados recentemente no Brasil . As premissas do novo estudo inspiram-se nas investigações realizadas nos últimos 20 anos em Penha Garcia, famoso sítio paleontológico situado no concelho de Idanha-a-Nova, Geopark Naturtejo – geoparque mundial da UNESCO. “Em Penha Garcia encontram-se abundantíssimas marcas da actividade paleobiológica de organismos, incluindo as trilobites, extintos há centenas de milhões de anos; sem elas saberíamos muito menos sobre estes organismos no grande quadro da evolução da Vida na Terra, bem como da biosfera existente no nosso planeta que então seria bastante diferente, quase uma outra Terra” explica Carlos Neto de Carvalho. “Os vestígios de interacção biológica com os substratos são evidências muito comuns da história da Vida na Terra e, se fossilizam, conseguem “sobreviver” até às enormes pressões e elevadas temperaturas geradas pela lenta colisão de continentes e consequente formação de montanhas, como em Penha Garcia, nos Alpes ou nos Himalaias, onde encontramos icnofósseis” salienta Andrea Baucon. Tal significa que, se alguma vez existiu vida em planetas como Marte, é mais fácil pesquisar e encontrar icnofósseis do que fósseis de organismos individuais, nas próximas missões de reconhecimento geológico que estão previstas.
Este novo estudo faz parte do projecto ROSAE (http://rosaeproject.org), que tem como objectivo o estudo das interacções organismo-sedimento em ambientes extremos. “O nosso projecto é bastante promissor pois mostra que a Icnologia – o estudo de pistas actuais e fósseis – permite detectar vida não apenas em ambientes terrestres hostis, mas também procurar sinais de vida para além da Terra” afirma Andrea Baucon. “Pelo estudo das suas pistas, os cientistas poderão ’estudar estranhos novos mundos, procurar novas vidas e novas civilizações, indo até onde nenhum homem antes fora’ ” diz Andrea Baucon, parafraseando a introdução da série Caminho das Estrelas.