Visto sob vários parâmetros, o livro que intitula esta peça – lançado pelo Comité Olímpico de Portugal e a editora Visão & Contextos, que integra a colecção Aretê – e que é da autoria de Rui Proença e António Camilo Cunha, pretende abordar o Movimento Olímpico, em especial os seus Jogos, através da óptica da Utopia.
De entre o que se pretende evidenciar, ressalta, por exemplo, a importância dos Jogos Olímpicos na actualidade, nomeadamente a nível económico, social e mediático; são relatadas experiências etnográficas, uma relativa a Pequim e outra ao Rio de Janeiro, cidades que foram totalmente modificadas em virtude da realização dos Jogos Olímpicos.
Questões ambientais e de mobilidade, entre outras, foram devidamente acauteladas, concluindo que o Movimento Olímpico ultrapassa em muito a lógica meramente desportiva, referenciando uma breve incursão pelos Jogos da Lusofonia que se realizaram em Macau.
Mas qual é, quanto aos autores, o conceito de utopia? Sem dificuldade, referiram que é um neologismo forjado a partir do grego por Thomas More, que significa o não-lugar (outopus) e o lugar da felicidade (eutopos).
Definem utopia como o ideal de uma sociedade humana perfeita: perfeita na organização, no funcionamento e na governação. Constitui-se num lugar que não ainda não há, mas que um dia haverá, referindo que se trata de uma ilha e, por tal, longe dos contágios de outros humanos.
Baseando-se na literatura, em especial no que se refere a Raul Brandão e a Vitorino Nemésio, documentaram esta visão idílica das ilhas. Porque uma sociedade ideal exige uma cidade ideal, abordam as Reduções Jesuíticas na América Latina, onde se criaram pequenas cidades totalmente isoladas do meio circundante, autênticas ilhas no conceito embora não o sendo geograficamente. Terminam esta análise à utopia dizendo que também os Jogos Olímpicos exigem uma cidade ideal, em especial a sua Aldeia Olímpica.
Noutra abordagem relatada, concluem que a concepção dos Jogos Olímpicos da actualidade se consubstancia numa utopia, lugar (Grécia), e numa ucronia, tempo (Antiga). Finalmente, neste capítulo, fazem uma referência ao lugar da utopia na sociedade contemporânea.
Ainda quanto à obra apresentada, aludem à origem dos Jogos, à ética olímpica lembrando que mesmo na ilha da Utopia (de Thomas More) havia uma cadeia, a possibilidades de roubos e de guerras porque mesmo a sociedade ideal é constituída por humanos, pelo que é de prever que nem todos os atletas se comportem com rectidão.
A este propósito, os autores lembram D. Manuel Clemente quando afirma que “a cidade, só por si, não gera cidadania”, pelo que é razoável pensar-se que o olimpismo, só por si, não gera comportamentos fundamentados pela ética olímpica.
A Aldeia Olímpica é analisada também por esta óptica, concluindo-se que nos Jogos subsistem duas morais: a de Dioniso e a de Apolo. Dioniso está presente na Aldeia Olímpica (prazer carnal) e Apolo torna-se presente no Estádio e em outras estruturas desportivas.
Abordaram ainda a utopia da igualdade preconizada pelo desporto (regras, luta contra o doping), da identidade e diversidade humanas, concluindo que o desporto concretiza as utopias da justiça, da identidade e do acolhimento do outro.
Noutro capítulo há uma referência à utopia do Quinto Império do Padre António Vieira, sob a égide da religião, e a sua concretização nos Jogos da Lusofonia, nas perspectivas de Fernando Pessoa (“Minha pátria é a língua portuguesa”) e de Agostinho da Silva, ambos sob a égide da cultura e da língua portuguesas.
Afirmaram que, de alguma forma, o desporto, através dos Jogos da Lusofonia, mostra que o Quinto Império é uma utopia concretizada.
O livro encerra com uma proposta de caminho da imanência à transcendência e o contributo dos Jogos Olímpicos para percorrer esse itinerário.
Este é o quarto livro da colecção Aretê, que resulta do protocolo assinado pelo Comité Olímpico de Portugal e a editora Visão e Contextos em 2013, para a publicação de uma colecção de obras nas áreas do desporto e olimpismo, com vista a contribuir para a formação e actualização de conhecimentos técnicos e científicos.